Cabinda: Sociedade civil denuncia violações programadas dos direitos humanos
Activista cívicos dos Direitos Humanos e a sociedade civil cabindesa, chefiada pelo presidente da extinta Mpalabanda, Agostinho Chicaia, difundiram o novo relatório sobre a situação dos direitos fundamentais do homem em Cabinda.
«Violações relatadas não são involuntárias ou ocasionais, mas sim habituais e praticamente programadas, integradas numa estratégia de luta contra a guerrilha nacionalista» introduz o relatório de 30 páginas lembrando que «os cabindas nunca renunciaram ao Tratado do Simulambuco e à Conferência de Berlim. Aliás, buscam nela a fundamentação para a legitimação da sua luta, assim como a reivindicação da autodeterminação.»
Segundo o documento da sociedade civil cabindesa «o conflito de Cabinda tem raízes históricas muito profundas. Por isso, meras estratégias, puramente ardilosas, tal como a corrupção, o bloqueio de ordem psíquica, a integração de chefes políticos e militares nas estruturas do poder (político, financeiro e militar), como se procedeu após a assinatura do Memorando de Entendimento (ME), a 1 de Agosto de 2006. As realizações registadas são meros paliativos e remédios infrutíferos na medida em que não encontram aceitação do povo em geral e da FLEC em particular. O diálogo franco, aberto, transparente, abrangente e responsável é a única saída.»
«A livre circulação de pessoas e bens tem sido violada ou coarctada durante o período em análise» denuncia o relatório referindo a apreensão dos passaportes ao Padre Sevo de Assunção Agostinho, a 15 de Outubro de 2008, a José Marcos Mavungo, vice-presidente da extinta Mpalabanda, em Junho de 2007 e reavendo apenas em Março de 2009, assim como ao Padre Jorge Casimiro Congo e Agostinho Chicaia.
O documento alerta também às acções contra a liberdade de reunião e manifestação dando como exemplo a interdição do grupo religioso Lubundunu de realizar a sua marcha de peregrinação na localidade de São Pedro, 25 de Março de 2008, e «numa procissão religiosa na cidade de Tchiowa (Cabinda) 5.000 fiéis católicos de Lubundunu que partiram da povoação de Santa Catarina para a capela de São Tiago (no bairro Jika, arredores da cidade de Cabinda), foram bloqueados, a meio caminho, por um contingente de meia centena de polícias, sob o comando de um oficial de investigação criminal. (...) Toda a multidão –, homens, mulheres e crianças, foram retidos debaixo de um sol ardente, em São Pedro, às 13H00 e os responsáveis da peregrinação, Luís Avelino Yebo e Xavier Soca Taty, foram detidos e levados à Direcção Provincial de Investigação Criminal, donde só foram libertados às 17:00.»
«Todos os hotéis e pensões de Cabinda receberam uma comunicação do Governo da Província, através dos serviços da Polícia económica para não acolherem, nas suas instalações, quaisquer reuniões de associações ou de partidos da oposição. Esta medida imposta desde 2006 nunca foi revogada até presentemente» denuncia o mesmo relatório que acrescenta que «os serviços notariais de Cabinda deixaram de celebrar livremente escrituras públicas de constituição de novas associações. Desde a constituição da associação Mpalabanda, só foi autorizada a constituição dum número muito reduzido de associações. A partir de então, só pessoas certificadas como gradas e submissas ao Governo e ao Mpla têm a possibilidade de constituir associações em Cabinda.»
Relativamente aos «direitos sociais» o relatório avança que «tudo continua bonito no papel e não passa de meras intenções. As crianças hospitalizadas ficam três ou quatro na mesma cama, e não é raro encontrar dois adultos partilhando também uma cama.»
«A organização do CAN de 2010 é um outro par de mangas. Deveria ter trazido muitos dividendos para Cabinda, em termos de infra-estruturas hoteleiras e de turismo, mas os cinco hotéis anunciados com pompa não foram construídos por razões que ninguém sabe.»
No capítulo dos «direitos políticos» a sociedade civil cabindesa afirma que «nas eleições do ano passado, no âmbito das eleições legislativas, o direito de voto (o seu carácter livre, secreto e responsável) foi violado. (...) Os cidadãos foram largamente influenciados por uma imprensa que ao invés de ser do Estado e estar ao serviço da sociedade, se tornou objectivamente partidária, orientando o sentido do voto. As igrejas e seitas religiosas foram assaltadas por doações do regime (enquadradas numa verdadeira campanha de corrupção e de compra de votos), violando o direito da livre escolha». Reconhecendo ser «difícil de comprovar» o memo relatório afirma que durante a campanha eleitoral «tudo foi permitido, desde a oferta de carros, motos, bens alimentares, bebidas, infra-estruturas e envelopes recheados de dólares. (...) A imprensa do Estado só falava das obras do partido da situação e os jornalistas foram proibidos de entrevistar membros da oposição, a não ser a mando dos serviços secretos, para tirar ilações ou ajustar estratégias.»
Para a sociedade civil «após a assinatura do Memorando de Entendimento, a guerra reacendeu» sendo «sacrificadas vidas humanas, não só de angolanos e cabindas, mas até de pessoas que nada têm a ver com o conflito armado persistente em Cabinda. É de lamentar e de condenar a morte e/ou o ferimento de congoleses, brasileiros e chineses que, nada têm qualquer participação ou posição no conflito armado».
«A guerra é travada entre as Forças Armadas Angolanas e as Forças Unificadas da FLEC em proporções desiguais, o que influencia, de igual modo, o grau diferencial de violações dos Direitos Humanos dos dois beligerantes» lembra o mesmo documento.
«Qualquer ataque das forças da FLEC contra as tropas angolanas no território desencadeia imediatas acções de represálias contra as populações indefesas: detenções arbitrárias, desaparecimentos involuntários, execuções sumárias, torturas, incêndios das aldeias, saques, etc.»
Segundo o relatório difundido «a onda de detenções arbitrárias em Cabinda atingiu proporções alarmantes desde a assinatura do Memorando de Entendimento entre a fracção do FCD (Fórum Cabindês para o Diálogo) submissa ao Senhor Bento Bembe e o Governo de Angola» que «como medida preventiva, procedeu-se à extinção da MPALABANDA – Associação Cívica de Cabinda, a única organização de Defesa dos Direitos Humanos na região. Por outro lado, constatou-se a instrumentalização da crise na Igreja Católica, a maior confissão religiosa em Cabinda (cerca de 80% da população).»
Vários casos de detenções arbitrárias foram registados também pelos activistas dos direitos cívicos em Cabinda, especialmente na região de Inhuca, Necuto, município de Cabinda, assim como «assassinatos e extradições extrajudiciários». O mesmo relatório os abusos da justiça em nome da «instigação a rebelião armada» onde realça o caso de Fernando Lelo que «foi acusado de fomentar uma rebelião armada em Cabinda. Teria recrutado e financiado algumas acções de guerrilha imputadas àqueles militares das FAA (que agiriam sob a capa de guerrilheiros da Flec). Alguns daqueles militares encontravam-se em situação de deserção», assim como as «prisões arbitrárias» contra supostos cúmplices na morte de um nacional brasileiro e congoleses, além de ataques contra interesses chineses no território. O relatório da sociedade civil lembra a detenção da «pesquisadora da Global Witness, Sarah Wikes, detida em Cabinda, numa das suas deslocações, e indiciada por alegada prática do crime de espionagem (crime contra a segurança do Estado), em Janeiro de 2007» e do jornalista Raul Danda, «actual deputado independente do círculo Provincial de Cabinda, membro da bancada parlamentar da Unita, antigo porta-voz da Mpalabanda – Associação Cívica de Cabinda» ao qual um dos «crimes que lhe foram imputados era dois artigos de opinião publicados em jornais independentes, editados em Luanda, em que defendia um ponto de vista desfavorável ao Memorando de Entendimento».
A detenção na Republica Democrática do Congo de originários de Cabinda, ou ex militares da FLEC, por forças angolanas são também denunciados no mesmo documento que sublinha a situação nos países vizinhos onde «os cabindas são vítimas de perseguições por parte das autoridades angolanas. A campanha abrange sobretudo aqueles que preferem não se colocar sob a tutela do governo da República de Angola, mantendo-se sob o estatuto de refugiados ou como estrangeiros residentes nos referidos países, não se registando nos consulados angolanos. Muitos deles são alvo de raptos, assassinatos e «repatriamentos» não consentidos, ante o silêncio das autoridades do país e a inércia do ACNUR.»
Por fim, a sociedade civil lembra que aos «Governos com interesses em Cabinda devem compreender que Cabinda não e só sinónimo de petróleo. É antes e acima de tudo um Povo, com direito à vida e ao usufruto dos seus recursos naturais» e apela às Nações Unidas, à União Africana e à União Europeia, «no sentido de adoptarem, com humanidade e responsabilidade, os mecanismos político-diplomáticos que visem abrir caminho para a emancipação definitiva do Povo de Cabinda».
«Desde a assinatura do Memorando de Entendimento, três tipos de crimes aumentaram de forma assustadora: os crimes contra a segurança do Estado, os crimes de guerra e os crimes contra o direito internacional humanitário, sobretudo nas aldeias do município de Buco Zau e nos centros dos refugiados nos Congos, em especial no Congo Democrático» concluiu o documento que recomenda a Angola que «reconheça que o Memorando de Entendimento de Namibe não trouxe a paz preconizada devido da exclusão das negociações e da vida política e cívica de forças representativas das lídimas aspirações do povo de Cabinda» que «deixe de interferir negativamente na missão do clero Católico em Cabinda instrumentalizando-o para a manutenção da actual crise, permitindo assim a revisão e regularização da situação da grande maioria dos padres católicos de Cabinda, dos membros católicos de Lubundunu» e que «ponha termo as perseguições, restrições e violações de liberdade de expressão de muitos activistas cívicos, jornalistas e intelectuais independentes», assim como cesse as perseguições contra os principais membros da extinta Mpalabanda, termine com acções de represálias contra as populações civis em caso de ataque da guerrilha, acabe com as «incursões aos Campos de refugiados nas Repúblicas do Congo Brazzaville e Congo Kinshasa, ao rapto e repatriamento forçado de refugiados.»
O mesmo relatório apela à resistência cabindesa que «para lá da sua missão política e militar de libertação do Povo de Cabinda, deve por termo aos ataques contra objectivos não militares e acabe com ameaças às empresas que operam em Cabinda» e «deve pautar por uma atitude mais conciliatória com a sua visão e missão, pois, acha-se que a luta armada tem em vista levar o Governo angolano à mesa de negociações para um compromisso político mais justo».
Sugere também que a União Africana «crie um grupo de trabalho para investigar a situação dos direitos humanos em Cabinda e solicite junto do Governo de Angola o convite para que os relatores especiais para a liberdade de expressão, refugiados e defensores de direitos humanos vistam oficialmente o Enclave de Cabinda» e responsabilize o governo de Angola «perante os crimes de guerra e crimes contra o direito humanitário cometidos em Cabinda».
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